quarta-feira, 25 de dezembro de 2013

O Natal d@s desparecid@s (1973-2013)

No Natal de 1973, há exatos 40 anos, desaparecia Maurício Grabois, meu tio avô, nas selvas do Araguaia.

Ainda hoje muita gente "simplesmente" desaparece no Brasil. Não precisa ser comunista (nem precisava), basta ser pobre, negra, indígena, camponesa, ribeirinha, favelada e ser contradição viva com os avanços desse sistema centrado no capital. Tudo o que é obstáculo a esse tipo de progresso, seja humano ou não, é de alguma forma aniquilado. A tática do "desaparecimento" ainda é muito comum. Trata-se de algo terrível. Quem desaparece não está vivo nem morto, é um espectro, um fantasma.

O estatuto do "desaparecido" é um "sem-estatuto", mas não é algo solto no ar. Estar desaparecido no Brasil tem a ver diretamente com a ação do Estado. Trata-se de um acontecimento político: o Estado "resolve" intervir de forma brutal sobre a vida das pessoas, dando-lhes não a morte, não o encarceramento, mas o "apagamento da memória". Hoje, nossa atenção para o passado ainda tão atual é fundamental. A Ditadura não é uma página virada na História, seu espectro continua a nos assombrar. A violência do Estado atua, portanto, pelo menos de duas formas: com a assombração de um passado ainda não trazido plenamente "à luz do dia" e com ações semelhantes às desse passado (e ainda piores e em dimensões ainda maiores) de "sumiço", tortura e outras técnicas perversas de controle.

Compartilho uma vez mais o curto vídeo da antiga campanha da OAB/RJ pela Memória e pela Verdade:



Compartilho também esse relato incrível dramatizado por uma atriz (que agora não sei o nome) convidada pela Comissão da Verdade do Estado de São Paulo "Rubens Paiva". O relato conta um pouco da história de vida da Helenira Rezende, também desaparecida durante a Guerrilha do Araguaia.


terça-feira, 24 de dezembro de 2013

O Natal tem afeto? Os sentidos do Natal em disputa

Quando me converti ao cristianismo, adotei toda uma dogmática que me fazia crer-me não o detentor da verdade única sobre Jesus, mas pertencente a esta verdade única e absoluta. Hoje, me sinto cada vez mais aprofundado no que se entende por “caminhada da fé cristã”, mas esse aprofundamento se dá através de uma série de deslocamentos em relação a concepções fechadas da fé, sejam elas tradicionais ou não.

Aquela frase provocativa que aprendi há alguns anos na igreja batista hoje ecoa mais forte do que nunca: os cristãos pertencem a Deus, mas Deus não pertence aos cristãos.

Assim, o sentido do Natal também não é um só e não pertence à igreja A ou B, ou mesmo apenas ao universo das religiões cristãs. Diversas vozes (inclusive dentro dos cristianismos) têm apontado outros afetos e outros sentidos para o Natal, que não reduzem o nascimento de Jesus a um acontecimento apenas salvacionista (no sentido da redenção das almas das pessoas da danação eterna na vida pós-morte, etc.).

Os sentidos do Natal são muitos e estão em disputa. Não sou dono de nenhum deles, mas vivo tendo que escolher entre o que me é oferecido (ou imposto) como verdade única do Natal. Olhando com desconfiança para a lógica do endividamento da nossa subjetividade apresentado nas típicas luzes do Natal das lojas e igrejas, é possível elaborar outros natais, outros sentidos e deixar-se tocar por outros afetos, que tem muito mais a ver com dinâmicas coletivas de vida, que não se reduzem (mas sem excluí-lo) ao meio familiar.

Algumas vozes me tocaram de uma forma potente nesse Natal e em outros... Compartilho, muito rapidamente, três vozes que estavam por escrito, mas são só uma pequena expressão do que rola por aí, mundo afora.

Outras vozes:

“Ele foi perseguido pela Polícia, pela Justiça e pela Mídia do seu tempo. Hoje é aclamado da boca pra fora por forças similares contemporâneas. Amanhã, meia-noite, geral na festa quase-global do seu níver. Mas vale lembrar: foi tachado de radical, de vândalo, foi espancado, esculachado, torturado e morto... pelos poderes instituídos, embora só falasse de afeto. Logo, amanhã, reflita sobre isso: há milênios o poder instituído castiga os mensageiros do afeto e os que tentam propagar uma justiça mais ampla. E hoje, em tantos Gólgotas, ainda exibem castigos exemplares para aterrorizar a população.” (Marcus Galiña, no Facebook)

“A alegria da comemoração do nascimento do Filho de Deus entre os homens não deveria ser desprovida também da memória do seu contexto. O menino Jesus foi, sobretudo, um sobrevivente. [...] Nessa história Jesus se identifica com tantas crianças cuja natalidade beira o risco. [...] Jesus não simplesmente nasce, seu nascimento também evidencia uma negligência, uma desumanidade, um mundo classista, violento e arriscado. (Ronilso Pacheco, no Blog do Fale)

“Nesse Natal não quero me deixar enganar com as reciprocidades superficiais nem vou arrastar gestos de reconciliação pelo fundo áspero do desespero dos meus dias. Quero uma esperança maior que a violência. Quero um Natal imperceptível. Um Natal desinteressante. Um Natal vazio... como vazia é aquela alguma noite em que nascem crianças imperceptíveis e desinteressantes e que podem fazer os pobres sonhar com Paz na Terra e Boa Vontade. Meu Deus, me ajuda a ver!” (Nancy Cardoso, na Novos Diálogos)


Um abraço em tod@s, com paz, justiça e dignidade, nesse e nos próximos natais!